terça-feira, 2 de setembro de 2008

Antes que eles cresçam ...

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
É que as crianças crescem independente de nós. como árvores tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular, entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem, de repente. um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade, que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.Onde é que andou crescendo aquele danadinho, que você não percebeu?
Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica, desobediência civil. e você agora está ali, na porta das festinhas esperando que ele não apenas cresça, mas apareça. ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre skates e cabelos soltos.Entre hamburguer e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda, nos ombros nus, ou então com a blusa amarrada na cintura ou debaixo do uniforme.
Está quente, achamos que vai sentir calor, achamos que vão estragar a blusa , mas não tem jeito, é o emblema da geração.Pois ali estamos, com os cabelos já embranquecidos. esses são os filhos que conseguimos gerar apesar dos golpes dos ventos, das colheitas das notícias e das ditaduras das horas. e eles crescem meio amestrados, observando nossos muitos erros.Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.não mais os colheremos nas portas das festas, quando surgirem entre gírias e emoções. passou o tempo do judô, do balé, da natação e do inglês. saíram do banco de trás e passaram para o volante das próprias vidas.Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências, ente os lençóis da infância e os adolescentes cobertos, naquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores. não, não os levamos suficientes vezes ao maldito Play Center, Beto Carrero, ao Shopping, não lhe compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo nosso afeto.No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre malas, pacotes, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos. sim, havia as brigas dentro do carro, disputa pela janela, pedido de chicletes e sanduíches, cantorias infantis.
Depois chegou a idade em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível largar a turma e as primeiras namoradas.
Os pais ficaram, então, exilados dos filhos. tinham o silêncio que sempre desejaram, mas não de repente, morriam de saudades daqueles pestes.O jeito é esperar.
Qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado não exercido nos próprios filhos e que não podem morrer conosco.Por isso os avós são tão desmensurados e distribuem tão incontrolável afeição.Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
Por isso é necessário fazer alguma coisas a mais, antes que eles cresçam.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

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